domingo, 21 de abril de 2013

DIA DA LIBERDADE - 25 DE ABRIL



Para comemorar o nosso dia da Liberdade, 
apresentamos uma série de poemas que versam a liberdade. 



O Dia da Liberdade
José Jorge Letria

Este dia é um canteiro
com flores todo o ano
e veleiros lá ao largo
navegando a todo o pano.
E assim se lembra outro dia febril
que em tempos mudou a história
numa madrugada de Abril,
quando os meninos de hoje
ainda não tinham nascido
e a nossa liberdade
era um fruto prometido,
tantas vezes proibido,
que tinha o sabor secreto
da esperança e do afeto
e dos amigos todos juntos
debaixo do mesmo teto.



Liberdade
Miguel Torga

Liberdade, que estais no céu...
Rezava o padre-nosso que sabia,
A pedir-te, humildemente,
O pio de cada dia.
Mas a tua bondade omnipotente
Nem me ouvia.

— Liberdade, que estais na terra...
E a minha voz crescia
De emoção.
Mas um silêncio triste sepultava
A fé que ressumava
Da oração.

Até que um dia, corajosamente,
Olhei noutro sentido, e pude, deslumbrado,
Saborear, enfim,
O pão da minha fome.
— Liberdade, que estais em mim,
Santificado seja o vosso nome.  







 ABRIL DE ABRIL
Manuel Alegre

Era um Abril de amigo Abril de trigo
Abril de trevo e trégua e vinho e húmus
Abril de novos ritmos novos rumos.

Era um Abril comigo Abril contigo
ainda só ardor e sem ardil
Abril sem adjectivo Abril de Abril.

Era um Abril na praça Abril de massas
era um Abril na rua Abril a rodos
Abril de sol que nasce para todos.

Abril de vinho e sonho em nossas taças
era um Abril de clava Abril em acto
em mil novecentos e setenta e quatro.

Era um Abril viril Abril tão bravo
Abril de boca a abrir-se Abril palavra
esse Abril em que Abril se libertava.

Era um Abril de clava Abril de cravo
Abril de mão na mão e sem fantasmas
esse Abril em que Abril floriu nas armas.





CANTATA DA PAZ
Sophia de Mello Breyner Andresen

Vemos, ouvimos e lemos
Não podemos ignorar
Vemos, ouvimos e lemos
Não podemos ignorar

Vemos, ouvimos e lemos
Relatórios da fome
O caminho da injustiça
A linguagem do terror

A bomba de Hiroshima
Vergonha de nós todos
Reduziu a cinzas
A carne das crianças

D'África e Vietname
Sobe a lamentação
Dos povos destruídos
Dos povos destroçados

Nada pode apagar
O concerto dos gritos
O nosso tempo é
Pecado organizado





QUEIXA DAS ALMAS JOVENS CENSURADAS
Natália Correia

Dão-nos um lírio e um canivete
E uma alma para ir à escola
Mais um letreiro que promete
Raízes, hastes e corola

Dão-nos um mapa imaginário
Que tem a forma de uma cidade
Mais um relógio e um calendário
Onde não vem a nossa idade

Dão-nos a honra de manequim
Para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos um prémio de ser assim
Sem pecado e sem inocência

Dão-nos um barco e um chapéu
Para tirarmos o retrato
Dão-nos bilhetes para o céu
Levado à cena num teatro

Penteiam-nos os crânios ermos
Com as cabeleiras das avós
Para jamais nos parecermos
Connosco quando estamos sós

Dão-nos um bolo que é a história
Da nossa história sem enredo
E não nos soa na memória
Outra palavra que o medo

Temos fantasmas tão educados
Que adormecemos no seu ombro
Somos vazios despovoados
De personagens de assombro

Dão-nos a capa do evangelho
E um pacote de tabaco
Dão-nos um pente e um espelho
Pra pentearmos um macaco

Dão-nos um cravo preso à cabeça
E uma cabeça presa à cintura
Para que o corpo não pareça
A forma da alma que o procura

Dão-nos um esquife feito de ferro
Com embutidos de diamante
Para organizar já o enterro
Do nosso corpo mais adiante

Dão-nos um nome e um jornal
Um avião e um violino
Mas não nos dão o animal
Que espeta os cornos no destino

Dão-nos marujos de papelão
Com carimbo no passaporte
Por isso a nossa dimensão
Não é a vida, nem é a morte.





Canto Moço

Zeca Afonso


Somos filhos da madrugada

Pelas praias do mar nos vamos

À procura de quem nos traga

Verde oliva de flor no ramo

Navegamos de vaga em vaga

Não soubemos de dor nem mágoa

Pelas praias do mar nos vamos

À procura da manhã clara

Lá do cimo duma montanha

Acendemos uma fogueira

Para não se apagar a chama

Que dá vida na noite inteira

Mensageira pomba chamada

Companheira da madrugada

Quando a noite vier que venha

Lá do cimo duma montanha

Onde o vento cortou amarras

Largaremos pela noite fora

Onde há sempre uma boa estrela

Noite e dia ao romper da aurora

Vira a proa minha galera

Que a vitória já não espera

Fresca brisa, moira encantada

Vira a proa da minha barca.



Pedra Filosofal

António Gedeão

Eles não sabem que o sonho

é uma constante da vida

tão concreta e definida

como outra coisa qualquer

como esta pedra cinzenta

em que me sento e descanso

como este ribeiro manso

em serenos sobressaltos

como estes pinheiros altos

que em verde e oiro se agitam

como estas árvores que gritam

em bebedeiras de azul.

Eles não sabem que sonho

é vinho, é espuma, é fermento

bichinho alacre e sedento

de focinho pontiagudo

que fuça através de tudo

em perpétuo movimento.

Eles não sabem que o sonho

é tela é cor é pincel

base, fuste, capitel

que é retorta de alquimista

mapa do mundo distante

Rosa dos Ventos Infante

caravela quinhentista

que é cabo da Boa-Esperança

Ouro, canela, marfim

florete de espadachim

bastidor, passo de dança

Columbina e Arlequim

passarola voadora

para-raios, locomotiva

barco de proa festiva

alto-forno, geradora

cisão do átomo, radar

ultrassom, televisão

desembarque em foguetão

na superfície lunar

Eles não sabem nem sonham

que o sonho comanda a vida

que sempre que o homem sonha

o mundo pula e avança

como bola colorida

entre as mãos duma criança



Abril de sim, Abril de Não

Manuel Alegre

Eu vi Abril por fora e Abril por dentro

vi o Abril que foi e Abril de agora

eu vi Abril em festa e Abril lamento

Abril como quem ri como quem chora.

Eu vi chorar Abril e Abril partir

vi o Abril de sim e Abril de não

Abril que já não é Abril por vir

e como tudo o mais contradição.

Vi o Abril que ganha e Abril que perde

Abril que foi Abril e o que não foi

eu vi Abril de ser e de não ser.

Abril de Abril vestido (Abril tão verde)

Abril de Abril despido (Abril que dói)

Abril já feito. E ainda por fazer.





O poema - Antes que seja tarde - é da autoria de

Manuel da Fonseca, escritor e poeta, nasceu em Santiago do Cacém, em 1911 e faleceu em Lisboa, em 1993. Foi um dos maiores escritores do neorrealismo literário português.
Começou por publicar poesia, prosseguindo com prosa de ficção, revelando-se um escritor de tendência regionalista e de funda preocupação humana, que retrata a vida pobre dos trabalhadores rurais do Alentejo, dando especial realce à sua luta contra a injustiça e a miséria.
Teve através da sua arte uma intervenção social e política muito importante.





Antes que seja tarde 

Amigo,
tu que choras uma angústia qualquer
e falas de coisas mansas como o luar
e paradas
como as águas de um lago adormecido,
acorda!
Deixa de vez
as margens do regato solitário
onde te miras
como se fosses a tua namorada.
Abandona o jardim sem flores
desse país inventado
onde tu és o único habitante.
Deixa os desejos sem rumo
de barco ao deus-dará
e esse ar de renúncia
às coisas do mundo.
Acorda amigo,
liberta-te dessa paz podre de milagre
que existe
apenas na tua imaginação.
Abre os olhos e olha
abre os braços e luta!
Amigo,
antes da morte vir
nasce de vez para a vida.

Manuel da Fonseca, in Poemas completos
Editora Forja










Poderá ainda recolher mais informações sobre este Dia da Liberdadeno  carregando no seguinte link:

http://www.escolovar.org/abril.htm

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